domingo, 30 de agosto de 2009

Lição de Invenção

Escolher a passagem mais incompreensível do texto de Jorge Larossa só não é mais difícil que descobrir a finalidade de tanta divagação. Escolhi, então, para comentar, algumas das mais disparatadas:

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O texto a que os alunos são convocados é o fluxo do que se vem dizendo ou, melhor, "do que, dizendo-se, vem". Sempre o mesmo, mas sempre cada vez. Por isso, ler é recolher o que se vem dizendo para que se continue dizendo outra vez (que é outra vez a mesma e cada ve"? outra vez) como sempre se disse e como nunca se disse, numa repetição que é diferença e numa diferença que é repetição." - Alguma vez lhe ocorreu, àquele(a) que lê, que "ler" seria tal recolhimento? E o que seria a sinonímia entre repetição e diferença? Será que o próprio Jorge Larossa daria explicação convincente de tamanho absurdo?

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Amizade de leitores: participação no comum do texto como aquilo que diferencia. Mas numa diferença que não é referível a nenhuma tota-lidade, que não é redutível à unidade, à integração ou à síntese do diver-so. Por isso, a comunidade dos convocados à lição tem seu ser na dis-persão e na descontinuidade, na divergência, na dessemelhança, na dis-tinção e no dissenso. Comunidade dos que não têm em comum senão o espaço que faz possível suas diferenças. Comunidade cujos membros não se conjugam nunca em comum, ainda que não deixem de ressoar juntos. Relação refratária à síntese, alérgica à totalização, resistente à generalização. Relação no texto como o que separa sem re-unir." - A despeito da ausência de sentido e da presença misteriosa de hífens, o trecho prova a aversão que autores como Jorge Larossa e afins têm pela análise da totalidade das coisas e pelas sínteses, encastelados que são na propalada "multiplicidade de discursos", que acaba por lhes servir de desculpa para se eximirem de debates públicos, em que suas fantasias muito dificilmente se sustentariam.

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O texto comum é o texto no qual os leitores participam, é o texto com-partilhado entre os leitores, o que os leitores com-partem, o que os parte em comum, o que não se com-parte a não ser como partição e re-partição.
Por isso, os leitores não têm em comum senão o comparecer juntos ante a dissolução ou a desintegração do comum como aquilo que os une, e ante o aparecimento do comum como aquilo que os divide.
" - Escrever de maneira ininteligível parece ser recurso muito comum entre os que não têm nada válido a dizer.

6 comentários:

  1. Há um curso neste momento sobre Repetição e diferença, oferecido pelo Prof. Silvio Gallo. Que tal assistí-lo?

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  2. Oi, Bernardo!
    O Larrosa nos oferece uma oportunidade bonita e forte de pensar sobre o ensinar e o aprender. Acho que você não aceitou o seu convite de entrar no texto para “ver o que não foi visto” e produzir a partir da temática...
    Diferença e repetição são conceitos filosóficos... Para os nossos olhos-ouvidos-corpos tão acostumados a pensar no viés da igualdade (que diferencia e exclui cultural, social e economicamente), é mesmo difícil, entender a repetição para além do mesmo, uma repetição criadora, que gera a diferença, esta diferença sem negação (a gente só parece se dar conta da diferença quando ela é não-alguma coisa).
    Pensar um texto como repetição é dar a ele a possibilidade de criação de um outro pensamento – por isso Larrosa afirma que ele vem se dizendo – para que se diga outra vez ou para que se diga como nunca se disse antes...
    Entendo o texto como um chamado a permitir o pensamento plural e não único. Com-partilhar com hífen, tem a ver com um reforço da idéia de partilha que o ensinar e o aprender têm. Da mesma maneira, funcionam re-partir, com-partem... É um jeito poético de escrever.
    Eu defendo a possibilidade de novas formas de pensar e de redigir textos, inclusive na academia. Tenho certeza de que você também é a favor dessa liberdade, não é?

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  3. Não sei o que você quer dizer com "pensar no viés da igualdade", Davina.
    Igualdade, para mim, seria de acesso aos bens materiais e simbólicos, produzidos social e historicamente, por gerações e gerações de seres humanos, o que somente será possível com a propriedade coletiva dos meios de produção dos mesmos bens e com jornadas de trabalho bem menores, que não consumam a vida da maior parte da população, para que uma irrisória minoria possa usufruir, novamente, dos bens a que me referi.
    Não sei trabalhar com o conceito de igualdade com que você trabalha, em oposição ao de "diferença" - ainda mais abstrato que o de "igualdade". Pior, então, "a (...) diferença quando ela é não-alguma coisa", que, para mim, é o mesmo que nenhuma coisa.
    Eu defenderia novas formas de pensar que não desconsiderassem as maneiras de pensar historicamente construídas e desde que superassem as modernas. Não confundo liberdade com alienação.

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  4. Eu também não confundo liberdade com alienação, Bernardo, e me referia (no trecho ao qual você se refere) à escrita que não segue um único modelo: introdução, desenvolvimento e conclusão = pronto = verdade única construída.
    O Larrosa escreve ensaios, que têm a proposta de instigar e abrir o pensamento, mais do que construir uma proposição ou defender uma idéia apenas. Neste sentido, ele conseguiu colocar a gente pra pensar, né? Eheheheh
    Gostei da sua resposta. Agora estamos falando de idéias! A igualdade de direito, via lei, não garante a igualdade de fato, não é? Eu também quero que as pessoas tenham direitos iguais, e luto (sempre lutei) por isso na minha atuação profissional e como aluna. O que eu dizia que é difícil de entender é a diferença da qual esse autores têm falado. Ela vem do conceito de Gilles Deleuze. Este filósofo diz que a tradição filosófica trata a diferença como negação, porque é sempre um "não-alguma coisa", quer dizer, sou branca porque não sou de outra raça, sou aluna porque não sou professora, eu sou sormal porque não tenho necessidades especiais, etc... Você viu como sempre tem um não na diferença?
    Ele propõe um pensamento outro e é isto que eu estou estudando neste semestre (estou fazendo a disciplina do professor Sílvio Gallo). Prometo tentar redigir um texto maior a respeito, até o final do semestre! E a gente vai conversando a respeito!

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  5. Discordo de que a existência de uma introdução, de um desenvolvimento e de uma conclusão num texto implique uma verdade única. A coesão do texto garante a clareza de uma idéia, de que se pode discordar ou com que se pode concordar, porém, não garante sua irrefutabilidade.
    Minha objeção aos textos como esse do Larossa é justamente a estratégica ausência de clareza.
    Vamos conversando, =P

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